Por que se prender ao ódio e à vingança? O perdão liberta.
Perdão e liberdade estão intimamente ligados.
Deus não perdoa. Ele não precisa. Ele é o próprio perdão.
Hebron, cidade da Palestina, 1929. Um grupo de muçulmanos fanáticos promove um ataque aos judeus. O massacre é sangrento, cruel e inexplicável.
Décadas depois, mundo contemporâneo:
Bruno, jovem de família católica, desenvolve estranha obsessão pelo islamismo, ao mesmo tempo em que odeia os judeus. Apesar disso, apaixona-se por Tamara, moça judia, amiga do namorado de sua irmã. Tamara, contudo, o rejeita veementemente, fazendo aumentar, na alma de Bruno, um desejo de vingança nascido muitas vidas atrás. Da mistura de sentimentos confusos e incompreensíveis, surge o plano macabro que fará reviver o ódio adormecido, porém, nunca esquecido.
Cada vez mais envolvido pelo fanatismo islâmico, Bruno planeja e executa a
obra máxima de sua vida, colocando em risco não apenas sua atual encarnação, como também, sua própria permanência no planeta.
Mas a vida obedece a critérios específicos de motivação espiritual, e não há atitude ou pensamento desprovido de causas, cujo conhecimento gravita no âmago mais distante e sombrio da consciência. Mesmo as obras mais cruéis e inexplicáveis possuem um sentido oculto, ainda que totalmente desvirtuado dos caminhos do bem e da moral. Todavia, como o mal não é eterno, a oportunidade de mudança nunca deixará de existir.
Não importa o quão obscuro foi o seu passado. Ser uma pessoa melhor depende da vontade e de suas próprias escolhas.

Lançado em 2018
Ordem de lançamento: 24º
319 páginas
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Prólogo
Localizada próximo a Jerusalém, Hebron é um das quatro cidades sagradas dos judeus e uma das maiores da Palestina. É lá, na caverna de Macpela, que se encontram sepultados os Patriarcas hebreus e suas esposas: Abraão, Sara, Isaque, Rebeca, Jacó e Joyce. Acima, uma igreja foi erigida na época do imperador Justiniano, mais tarde convertida em mesquita islâmica.
Estreita faixa de passagem entre a África e a Ásia, a Palestina tornou-se cobiçada pelos mais diversos exércitos de conquistadores desde muitos anos antes de Cristo. As guerras de conquista se sucederam através dos séculos, passando a região ao domínio de vários povos, como egípcios, hebreus, romanos e árabes, dentre outros. Por fim, no século XVI, o Império Otomano ali se estabeleceu, até ser expulso pelos Aliados, na Primeira Guerra Mundial.
Enquanto isso, na segunda metade do século XIX, eclodiu na Europa o movimento sionista, dando início à migração de um grande número de judeus para o território palestino. A chegada dos judeus não foi bem vista pelas comunidades árabes lá estabelecidas, o que acabou gerando toda sorte de conflitos.
Com a derrota da Tríplice Aliança, da qual fazia parte o Império Otomano, sobreveio o fim da Primeira Grande Guerra. Assinado o Tratado de Versalhes, a Palestina foi dividida entre a França e a Inglaterra, cabendo a esta a região sul. Como os conflitos entre judeus e árabes eram constantes, a Liga das Nações concedeu o Mandato Britânico da Palestina, passando, à Inglaterra, sua administração legal. Em 1922, o Reino Unido dividiu a região em dois distritos administrativos, separados pelo rio Jordão, ficando os judeus com a zona oeste do rio, e os árabes, com a leste. A divisão não encerrou os conflitos. Ao contrário, tornou a rivalidade entre muçulmanos e judeus ainda mais acirrada.
Após tantos anos de guerras e conquistas, lavada com o sangue da humanidade, a terra ainda era palco de batalhas, rebeliões e disputas. Cada povo que por lá passava atribuía a si o domínio da região. Transferindo-se de governo a governo, ao longo de tantos séculos, seus legítimos possuidores acabaram perdendo-se no tempo. Todos tinham seus justos motivos para reivindicar a terra, esquecendo-se do fundamental: o mundo não é propriedade exclusiva de ninguém, mas de todos os povos, que deveriam conviver em harmonia e paz. As fronteiras existentes entre as nações são imaginárias, convenções do ser humano para assegurar sua soberania. Não foram estabelecidas por nenhum deus, para favorecer uma ou outra nacionalidade, pois todos os deuses, em essência, são apenas um só.
Em meio a essa disputa milenar, milhares de árabes e cerca de oitocentos judeus desfrutavam de uma convivência mais ou menos pacífica na cidade de Hebron. Uma parcela da população árabe, todavia, revoltava-se contra essa situação. Não eram poucos os que não viam com bons olhos seus vizinhos judeus, e as hostilidades aumentavam a cada dia. Espalhada pela cidade, uma onda de nervosismo e medo alcançou todos os segmentos da população, colocando ambos os lados em constante sobressalto.
Mesmo assim, a vida seguia seu curso. Muitos dos que lá residiam procuravam levar uma vida normal, dedicando-se ao trabalho, à família e aos estudos.
Acostumado a essas inquietações populares, o judeu Elias evitava envolver-se em conflitos ou dar ouvidos às provocações de seus conterrâneos árabes. Vivia normalmente, dividindo seu tempo entre a yeshivá, aonde ia para estudar a Torá e o Talmud, e o trabalho na loja de instrumentos musicais do pai.
Do mesmo modo que Elias, o árabe Munir também tratava de se manter distante de brigas. Embora influenciado pela visão do pai de que os judeus eram usurpadores de terras, não tomava partido em discussões nem demonstrava um temperamento agressivo, apesar de um tanto sombrio. Sonhava, um dia, tornar-se advogado para defender seus compatriotas injustiçados do jugo sionista, tudo dentro da legalidade árabe que ele imaginava perfeita.
Naquele 23 de agosto de 1929, o dia parecia haver iniciado mal para Elias. Para começar, acordara tarde, atrasando-se para a yeshivá. Depois do almoço, uma dor de barriga quase o impediu de comparecer ao trabalho, o que teria deixado o pai em maus lençóis. E apesar da insistência da mãe e da irmã para que ficasse em casa, Elias não queria prejudicar o trabalho na loja.
Mesmo sentindo-se mal, partiu para o estabelecimento do pai. No caminho, notou uma movimentação diferente, uma espécie de aura de animosidade pairando no ar. Corria, na época, o boato de que, em Jerusalém, judeus estavam massacrando muçulmanos e tomando seus lugares sagrados.
Eram rumores infundados que não chegaram ao conhecimento de Elias. Por isso mesmo, não associou sua impressão de estranheza ao perigo iminente. Julgando tratar-se de sua imaginação, distorcida pelo mal-estar matinal, não deu atenção a seus instintos e subiu a rua, a caminho do trabalho.
Enquanto isso, Munir ouvia, em silêncio, a conversa entre o pai e os tios. Tinha horror a tudo aquilo, mas sabia que o pai jamais permitiria que ele não tomasse parte no que quer que fosse que estivesse para acontecer. Desde bem pequeno, Munir sofria com o temperamento do pai. Ibrahim era violento, grosseirão, autoritário, além de fortemente estrábico. O desprezo que sentia pelo filho era visível. Munir não tinha a força moral que ele gostaria para um filho varão. Era medroso, covarde, inseguro. Seu único filho não era o menino com que sempre sonhara.
Apesar de pertencer a uma família muçulmana tradicional, em sua juventude, Ibrahim viu-se apaixonado por uma moça judia. Seguindo a impulsividade própria da idade, Ibrahim transformara o sonho platônico na ilusão de que era correspondido. Declarou-se, abriu seu coração, implorou à jovem que aceitasse sua corte. A moça, porém, também de família judia rigorosa e tradicional, não correspondera aos sentimentos de Ibrahim, chegando mesmo a demonstrar indisfarçável desprezo pelas suas declarações, repudiando-o de forma arrogante e com um certo tom de desdém, fazendo ainda comentários pejorativos acerca de seu estrabismo.
O pai da moça interveio, escorraçando Ibrahim da porta de sua casa quase a pontapés, fato presenciado por toda a vizinhança, que lhe apontava o dedo como se ele fosse portador da peste. Humilhado, Ibrahim retirou-se, ocultando de seus próprios pais o episódio. A partir de então, iniciou-se uma sucessão de desencontros com o sexo feminino. O estrabismo o tornava mais feio do que realmente era, e Ibrahim não despertava a atenção das moças de sua época. Sempre que se interessava por alguém recebia, como resposta, categóricos nãos, seguidos de risos de escárnio e horror.
Até que, finalmente, o pai conseguira casá-lo com uma viúva mais velha que, em face de sua pouca beleza, tinha dificuldades em encontrar marido. Ibrahim a tratava mal, tão mal que ela acabou se apaixonando por um rapazola judeu, com quem manteve tórrido caso de amor. Descoberta a traição, Ibrahim tomou a única atitude que considerava digna em face da situação: Matou a mulher e o rapaz. Só não foi preso porque o pai conseguira, mediante a paga de considerável importância, transformar o assassinato em legítima defesa, o que levou ao arquivamento do caso.
O ódio de Ibrahim pelos judeus e as mulheres se transformou em justificativa para a prática de todo tipo de desmandos. Foi assim que o incidente de Jerusalém, muito embora de veracidade duvidosa, funcionou como o estopim que fez explodir todo seu rancor e que legitimaria a adoção de medidas duras e violentas.
– É verdade, estou dizendo – afirmou Ibrahim, convicto. – Jerusalém está um caos. Os judeus estão massacrando nosso povo, violando nossos lugares santos!
– Não acredito – contrapôs Abdul. – Tenho amigos judeus e sei que eles jamais fariam isso.
– Devia se envergonhar do que diz – objetou Ibrahim, furioso. – Fazendo amizade com o inimigo! Devia ser queimado junto com ele!
– Calma, irmãos – ponderou Omar. – Acho que só devemos agir depois que tivermos certeza.
– Vocês são dois covardes! – bradou Ibrahim. – Estão com medo de quê? Dessa polícia inglesa vendida e mal aparelhada que nós temos? Podemos lidar com eles, com todos .
Abdul e Omar entreolharam-se, em dúvida. Omar só queria tomar providências se os boatos se comprovassem verídicos, ao passo que Abdul não acreditava em uma única palavra do que andavam dizendo. A discussão entre os três continuava acalorada, acompanhada por um Munir mudo e assustado. Em dado momento, o pai virou-se para ele e, dedo em riste, esbravejou:
– E você, não se atreva a acovardar-se como seus tios! É chegado o momento de você demonstrar que é um homem de verdade, que não tem medo de vingar a morte de seu próprio .
À beira das lágrimas, Munir não se atreveu a encarar nenhum dos três. Temia que descobrissem seu segredo: apaixonara-se por uma garota judia. Não que houvesse planejado aquilo, mas Ruth o impressionara desde a primeira vez em que a vira, tocando violino na loja do pai.
– Não se trata de covardia – objetou Abdul –, mas de bom-senso e de justiça. Essas notícias de violência não fazem sentido. E depois, mesmo que fosse verdade, deveríamos deixar que as autoridades resolvam o assunto.
– Que autoridades? – zombou Ibrahim. – Todo mundo sabe que os judeus são os queridinhos dos britânicos. Querem nos expulsar e entregar a eles as terras que, há séculos, nos pertencem.
– Nesse ponto, Ibrahim tem razão – concordou Omar. – Não sou a favor de violência, mas a justiça há de ser feita. As terras são nossas. E se eles realmente massacraram nosso povo em Jerusalém, temos que reagir.
– Vocês são doidos – tornou Abdul. – Isso é só uma desculpa para incitar ainda mais a violência. Quem espalhou esses rumores deve ter algum motivo obscuro por detrás deles.
– Eu digo que temos que reagir – insistiu Ibrahim. – Rebelião, já!
Nesse momento, ouviram-se batidas na porta. A um sinal de Ibrahim, Munir se levantou para abri-la. Era Mustafá, um vizinho nacionalista, membro da Associação Muçulmano-Cristã.
– Vocês ainda não estão sabendo? – indagou em tom abafado, passando para o lado de dentro e fechando a porta.
– Sabendo o quê? – tornou Ibrahim, curioso.
– Estive hoje na estação. Ia viajar para Jerusalém com um grupo, para averiguar os fatos, mas o superintendente Cafferata nos impediu, insistindo em afirmar que tudo não passa de boatos.
– Eu não falei? – adiantou-se Abdul, com ar vitorioso. – Isso não podia mesmo ser verdade.
– E você acredita, Abdul? – irritou-se Mustafá, seguido pelo olhar de aprovação de Ibrahim. – Todo mundo sabe que Cafferata não passa de uma marionete dos judeus.
– É isso mesmo – concordou Ibrahim, com veemência. – É claro que ele quer conter a massa, porque somos em muito maior número do que os judeus e a própria polícia, que tem poucos homens, velhos e despreparados.
– Mas isso não é tudo. Estão todos indo, agora mesmo, se reunir em frente à yeshivá Hebron. Aquela corja tem que pagar.
– Vamos todos! – exaltou-se Ibrahim. – Juntemo-nos aos justos, em nome de Alá!
– Alá é um deus de paz – objetou Abdul. – Isso é coisa dos homens, não de deus.
Postado diante da porta, Abdul pretendia impedi-los de sair. Temia que o pior acontecesse não apenas a seus irmãos, mas também aos estudantes inocentes da yeshivá.
– Saia da frente, Abdul! – bradou Ibrahim. – Se quer ser covarde, seja sozinho.
– Omar, você, que é mais sensato, ponha juízo na cabeça dura desse nosso irmão – apelou ele.
Confuso, Omar encarou os irmãos. Tinha dúvidas sobre a veracidade das notícias, mas não queria ser taxado de covarde, muito menos ter o seu orgulho manchado por uma horda de assassinos judeus.
– Temos que averiguar – disse ele, por fim. – Não podemos simplesmente fechar os olhos e fingir que nada está acontecendo. Se o que dizem é mentira, voltaremos para casa pacificamente. Do contrário, vamos à luta!
– Vocês são loucos – sussurrou Abdul, vencido e assustado. – Isso só pode acabar em tragédia.
– Que seja! – gritou Mustafá, totalmente dominado pelo fanatismo cego. – Morte aos judeus!
Estimulado pelos gritos do outro, Ibrahim empurrou o irmão para o lado e saiu feito uma bala, seguido por Mustafá, Omar e um tímido Munir, que não ousava sequer levantar os olhos. Chegando à yeshivá, a situação aterrorizou Munir, que nunca havia presenciado um ato de violência em toda sua vida. Em meio aos estilhaços dos vidros quebrados das janelas, jazia o corpo esfaqueado de um estudante. A seu redor, uma multidão furiosa gritava impropérios, exigindo justiça para os massacrados em Jerusalém.
Quando Cafferata chegou ao local, era tarde demais. Por sorte, a yeshivá estava praticamente vazia, mas o pobre jovem que ainda estava lá, temendo por sua vida, arriscara-se a sair, sendo agarrado pela multidão e esfaqueado até a morte. Cafferata olhou o corpo do rapaz com angústia. A situação estava fugindo ao seu controle, e ele nada podia fazer. Não tinha homens suficientes e a ajuda não vinha de Jerusalém. Se os árabes investissem contra eles, era bem provável que fossem massacrados, pois a polícia não dispunha de efetivo suficiente para conter a rebelião.
Em casa de Elias, a situação era alarmante. As notícias chegavam por intermédio de conhecidos que haviam conseguido fugir das garras dos revoltosos. Abel, pai de Elias, discutia com o cunhado a respeito da situação.
– Precisamos fazer alguma coisa – afirmou Ezra, com raiva. – Isso não pode continuar assim. Quem eles pensam que são?
– Concordo que é um absurdo, mas temos que acreditar nas nossas instituições – comentou Abel. – Tenho certeza de que a multidão será contida e os culpados, punidos.
– Ninguém vai ser preso, você vai ver. Devíamos tomar a justiça em nossas mãos.
– Eles são em maior número – contrapôs a irmã, Esther. – E depois, não temos armas.
– Estou com medo, mamãe – choramingou Ruth. – Atacaram a yeshivá onde Elias estuda. Mataram um menino de lá.
– Tenha calma, querida. A polícia vai conseguir conter essa rebelião.
– Duvido muito – retrucou Isaac, primo de Esther. – Esses árabes são uns animais. Deviam todos ser fuzilados.
– Nosso vizinho é árabe e é uma pessoa de bem – arriscou Elias.
– Não existem árabes de bem – desdenhou Ezra. – Concordo com Isaac. Eles são todos uns animais, aliás, piores do que animais. São feras que merecem a morte.
– Esses pensamentos só fazem aumentar a aura de violência que paira sobre a cidade – censurou Esther. – Devíamos era estar pensando em uma maneira de encontrar a paz.
– Paz?! – irritou-se Ezra. – Ficou louca, Esther? Desde quando se pode argumentar com essa gente?
– O problema é que eles não se conformam com o fato de que nós estávamos aqui muito antes deles. Quando essa corja imunda de árabes chegou, nós já havíamos nos estabelecido nessa terra. Eles querem o que nos pertence.
– Essa questão já se perdeu no tempo – ponderou Abel. – Esther tem razão. Não devíamos lutar por isso quando podemos viver todos em paz.
– De jeito nenhum! – objetou Ezra, com veemência, seguido pelo olhar de aprovação de Isaac. – Jamais aceitaria dividir a terra que é nossa com esses monstros.
– Cada um tem suas razões – insistiu Esther. – Todo mundo acha que a terra lhe pertence, mas nada pertence a ninguém. As terras são de Deus, e nós não temos o direito de querer tomar posse do que Ele apenas nos emprestou.
– Não cabe falar de religião agora – contrapôs o irmão. – A questão é política.
– Deixemos isso para amanhã – alertou Abel. – Já está ficando tarde, as crianças precisam dormir. Amanhã, com certeza, tudo terá retomado a normalidade.
– Tirando a dor da família do menino morto – considerou Isaac, com um certo desdém –, tudo será normal para os demais.
– Não estamos menosprezando a dor dessa família. Sou pai, sei como eles devem estar sofrendo. Mas isso não é justificativa para incitarmos ainda mais o ódio. A polícia vai conseguir resolver essa situação.
– Vá esperando…
– Vamos, Ezra – chamou Isaac. – Já é tarde, e não creio que seja seguro andar pelas ruas a essa hora.
– Quero ver se algum árabe tem coragem de me agredir! Acabo com ele apenas com a força dos meus punhos.
– Tenha calma, irmão – pediu Esther. – Vamos tentar manter a calma. Se não por você, pelos nossos pais. Imagine o desgosto que lhes dará.
Despediram-se em clima de tensão. Ezra e Isaac chegaram a suas casas em segurança, apesar de um tanto quanto atemorizados. Esther mandou os filhos para a cama e recolheu-se com o marido, rogando a Deus que os protegesse.
Na casa ao lado, Hadi mantinha-se de joelhos, corpo virado na direção de Meca. Embora houvesse concluído o último Salah do dia, permanecia ajoelhado, olhos cerrados, em profunda concentração. A mulher, que o aguardava para dormir, tocou de leve o seu ombro, chamando-o baixinho:
– Não vem dormir, Hadi? Já passa da meia-noite.
Ele abriu os olhos lentamente, fixando-os na esposa com ternura.
– Desculpe-me, minha querida – falou carinhosamente. – Mas é que estou tão preocupado! Essa situação toda me deixou muito transtornado e aflito. Temo pelo pior.
– Você acha que não vai parar por aí?
– Não sei. Sinto um aperto na garganta, uma sensação de desgraça que não sei definir. Orei muito para que Alá nos dê proteção, que proteja a todos indistintamente, judeus e muçulmanos, pois somos todos filhos de um mesmo deus. Não podemos permitir que essas diferenças nos transformem em seres cruéis e vingativos. Somos irmãos perante qualquer força que se queira chamar de deus.
– Só você pensa assim, meu querido. A maioria das pessoas ainda está presa às convenções religiosas criadas por elas próprias. Daí sobrevêm tantos conflitos, tantas injustiças, tantas tragédias. Deus mesmo não quer nada disso. Quer apenas que as pessoas se amem.
– Alá é um deus de amor, Nabilah. Assim como o Deus dos judeus, dos cristãos, dos budistas e outros que nem conheço. Não pode existir deus se não há amor.
Nabilah ajoelhou-se ao lado do marido, envolveu as mãos dele nas suas e acompanhou-o na oração. Não queria que nada de mau acontecesse a ninguém. Bastava o assassinato do menino judeu, que fora um despropósito e uma crueldade. Quando, por fim, o cansaço os venceu, adormeceram nos braços um do outro.