Se quem procura acredita e merece, encontra o que está buscando.
A história das gêmeas Suzane e Beatriz, cheia de aparentes coincidências impossíveis e inexplicáveis, leva-nos a compreender que existe um sistema inteligente de leis que rege nosso destino. Essa história nos ajuda a compreender que nossas ilusões do mundo nos cegam e nos distanciam dos verdadeiros valores da vida. Nossos caminhos se entrelaçam nos levando a experiências que nos revelam a certeza e a perfeição de tudo.
Lançado em 2009
Ordem de lançamento: 11º
508 páginas
Que tal experimentar o começo do livro?
Prólogo
Aquela não seria uma noite convencional na pequena cidade de Barra do Bugres, em Mato Grosso, a 150 km de Cuiabá, onde apenas os uivos do vento acompanhavam a agonia de Severina, que se retorcia na cama com as dores do parto. Fazia já sete horas que praticamente agonizava, sentindo as contrações aumentarem a cada minuto, a barriga estufando como se, a qualquer momento, fosse estourar. A parteira enfiava, sem cerimônia, os dedos entre suas pernas, tentando localizar os gêmeos que lutavam entre si por uma chance de vida.
– Será que não é melhor chamar um doutor? – sugeriu Roberval timidamente, apertando nas mãos o chapeuzinho roto de lavrador.
– Não, não, não – objetou a parteira severamente. – Médico, nem pensar.
– Mas ela está sofrendo…
– Isso não é nada. Passa logo. Em breve os bebês nascem e tudo se acaba.
– Mas Dona Leocádia, a coisa parece feia. Minha Severina não vai resistir.
– Saia daqui, homem! –gritou ela, enxotando Roberval para fora do quarto.
Roberval saiu cabisbaixo. Não entendia o que dera em Severina para contratar os serviços daquela mulher esquisita, que aparecera na roça de repente, intitulando-se parteira, justo quando ela estava para ganhar criança. Ainda se lembrava do dia em que conhecera Dona Leocádia. Ela chegara com ares de figura importante, perambulando entre as ruas com olhos ávidos. Andou para cima e para baixo, sempre observando tudo, até que bateu com os olhos em Severina e seu ventre ainda pouco intumescido de quase quatro meses de gravidez.
Com muito jeito, aproximou-se de Severina e fez amizade com ela, dizendo-se parteira interessada no seu bem-estar. Roberval achou aquilo muito estranho, mas Leocádia começou a fazer-lhes visitas diárias e a dar-lhes conselhos sobre a saúde da mulher e do bebê. Trazia coisas gostosas para Severina comer, dava-lhe remédios e vitaminas, tudo para garantir que a criança viesse ao mundo saudável e forte.
Em pouco tempo, virou amiga íntima, conselheira e confidente. Não havia lugar a que Severina fosse que Leocádia não a acompanhasse. Eles moravam num casebre afastado da cidade, de onde Roberval seguia a pé até a fazenda em que trabalhava, enquanto Severina cuidava da casa. Leocádia encontrou uma casinha simples para alugar, bem na periferia, e ia visitá-los todos os dias, sempre interessada na gravidez da mulher.
Roberval achou aquilo tudo muito estranho, mas Severina dizia que Leocádia era uma boa pessoa e iria ajudá-los a mudar de vida. Ele indagava como e por quê, mas as respostas de Severina eram sempre lacônicas, e ele ficava sem entender. Dona Leocádia, por sua vez, parecia ignorá-lo. Cumprimentava-o polidamente, mas não lhe dava atenção, e sempre que ele perguntava alguma coisa, ela lhe endereçava um sorriso frio e mudava de assunto.
O tempo foi passando, e ele acabou se acostumando com a presença de Leocádia, desagradando-se, contudo, com os exames periódicos que ela fazia em Severina. Roberval questionava aqueles procedimentos, aconselhando a mulher a procurar um médico da cidade, mas Severina era categórica: Dona Leocádia era parteira competente e muito mais confiável do que os médicos do hospital municipal, que tinham outros doentes para atender e não teriam com ela o cuidado que o bebê merecia.
Longe do que ele e Severina imaginavam, ela estava grávida de gêmeos. Gêmeos! A vida já era difícil sem filhos. Com um seria penoso. Com dois, praticamente impossível. Mas, o que fazer? Roberval era religioso e aceitava com passividade o que Deus lhe enviava. Assim que ela engravidou, os dois até que se alegraram, apesar da miséria em que viviam e das dificuldades que encontrariam para sobreviver dali em diante. Quando Leocádia, após breve exame em Severina, constatou que eram gêmeos, tudo pareceu desabar para ele.
Estranhamente, contudo, Severina abriu um sorriso e o tranqüilizou. Que não se apavorasse. Que tivesse calma e confiança. Tudo se resolveria de uma forma serena e segura para todos, e ela acreditava naqueles que a amparavam e que não os deixariam sós numa hora tão difícil. Para Roberval, Severina se referia a Deus e aos santos da igreja, o que, de uma certa forma, deixava-o um pouco mais calmo e confiante.
E agora, sentado na sala da casinha simples de Leocádia, Roberval orava em silêncio, pedindo a Nossa Senhora do Bom Parto que amparasse sua Severina. Os gritos da mulher retiniam em seus ouvidos, fazendo-o estremecer a cada vez que os ouvia. Ela sofria e parecia que ia morrer. Não era possível uma coisa daquelas. Dona Leocádia lhe dissera que daria conta de tudo, mas ele começava a duvidar. Não seria melhor levá-la ao hospital?
Foi quando as duas pessoas mais improváveis de se encontrar ali assomaram à porta. Um homem e uma mulher, bem-vestidos e perfumados, entraram na saleta mal iluminada e poeirenta. Deram uma olhada de viés para Roberval e se entreolharam com patente desconfiança e desagrado. A mulher, contudo, se adiantou e forçou um sorriso artificial.
– Boa noite – cumprimentou ela, com um sotaque diferente e carregado.
– Boa noite – respondeu Roberval, acanhado.
Os dois se sentaram no sofá ao lado de Roberval, que se encolheu todo, constrangido com a companhia daquela gente. Suas roupas limpas e elegantes faziam-no sentir-se envergonhado e aflito, e ele tentou ocultar o imenso rasgão no joelho da calça. Pensou em lhes perguntar o que faziam ali, mas os gritos de Severina fizeram calar a sua curiosidade.
Levantou-se agoniado e apurou os ouvidos, andando de um lado a outro no pequeno cômodo e olhando, de vez em quando, para o insólito casal. Severina se calou por uns instantes, e ele encarou os dois com ar meio hostil. Afinal de contas, o que aquela gente fora fazer ali, numa noite de tempestade feito aquela, bem na hora em que sua Severina se retorcia de dor e medo? O casal, no entanto, não dizia nada, talvez por não ter o que dizer ou por temer se relacionar com a singular figura de Roberval.
O tempo foi passando, Severina continuava a gritar, e o casal silencioso apenas acompanhava o caminhar solitário e nervoso de Roberval. Até que, em dado momento, os gritos cessaram por completo, e um choro de criança se fez ouvir, seguido por outro, vinte minutos depois. Roberval se atirou ao chão de joelhos, agradecendo a Deus por ter salvado Severina e as crianças.
A porta do quarto se abriu e Leocádia apareceu, não demonstrando surpresa com a presença do casal ali. Roberval se levantou e lançou um olhar súplice à parteira, que balançou a cabeça e chegou para o lado, permitindo que ele entrasse no quarto.
– Está tudo bem? – indagou ele aterrado, e Leocádia ergueu as sobrancelhas, sem responder. – Minha Severina…!
Ele correu para dentro do quarto e aproximou-se da cama, agarrando a mão de Severina com cuidado. A mulher permanecia de olhos fechados, o corpo desfalecido sobre a mancha vermelha do lençol. Roberval olhou para toda aquela sangueira e sentiu um calafrio, balançando a cabeça para afastar o mau agouro. Sangue não precisava ser sinal de morte. Podia ser prenúncio de vida. Afinal, sua Severina perdera tanto sangue para trazer ao mundo aqueles dois pequeninos seres que ajudariam a construir a sua vida dali em diante.
A um canto, deitados em dois bercinhos, os bebês pareciam adormecidos, e Roberval se aproximou, fitando-os com emoção e encanto. Queria pegá-los, mas teve medo de deixá-los cair e limitou-se a passar um dedo sobre suas cabecinhas carecas e rosadas. Gentilmente, procurou afastar as fraldas que os encobriam e espiou ansioso. Eram duas meninas, e em seu coração passou um estremecimento de amor.
Depois desse breve momento de admiração, voltou para perto de Severina, que ainda jazia adormecida sobre a vermelhidão do lençol. Ele apertou a sua mão com um pouco mais de força, e ela entreabriu os olhos, procurando fixá-los no marido.
– Eles nasceram – sussurrou ela. – Nossos filhos nasceram…
Ela se contorceu e começou a gemer. Roberval tentou falar com ela, mas a dor foi-se tornando insuportável, e ela pôs-se a chorar assustada.
– Eu vou morrer, Roberval, vou morrer!
Ele pensou em contestar, mas Leocádia entrou abruptamente, seguida pelo ansioso casal. Embora não lhe agradasse a entrada inconveniente dos dois, não disse nada. Estava muito mais preocupado com Severina do que com os estranhos e pensou que Leocádia estava ali para ajudar.
Ela, porém, aproximou-se dos berços e tomou um dos bebês nos braços, depositando-o no colo da mulher. Em seguida, apanhou o outro e o entregou ao homem, que o segurou meio sem jeito. Roberval ficou embasbacado. Nem ele, que era o pai, ousara pegar as pequeninas. Como é que aqueles dois, que nunca vira antes em sua vida, se atreviam a segurá-las? E depois, o que fazia Leocádia que não socorria sua Severina?
– O que vocês estão fazendo? – indagou ele atônito, interpondo-se entre o homem e a mulher, que já se preparavam para sair. – Larguem as minhas filhas.
O homem olhou para Leocádia como a pedir socorro, e ela afastou Roberval com as mãos.
– Saia, Roberval, depois conversamos – disse rispidamente.
– Depois, nada! Esses dois estão querendo carregar minhas meninas. Não vou permitir. E o que faz você que não socorre Severina? Não vê que ela está sentindo muita dor?
Leocádia olhou de Roberval para Severina e desta para o casal em uma fração de segundos. Balançou a cabeça e fez um muxoxo, acrescentando com crescente impaciência:
– Severina não tem mais jeito. Perdeu muito sangue.
– Perdeu o quê? – prosseguiu Roberval, no seu jeito simples. – Que história é essa, Dona Leocádia? E quem são essas pessoas? O que querem aqui?
O casal, ocultando o nervosismo, se desvencilhou de Roberval e foi saindo pela porta, deixando-o confuso e sem saber se ia atrás deles ou se ficava para socorrer Severina. Decidiu pelas crianças e agarrou o homem pela barra do paletó.
– Onde é que vocês pensam que vão com as minhas meninas?
– Solte-me – retrucou o homem, com uma voz tão fria e ameaçadora que Roberval sentiu medo.
– O que vocês querem? Quem são vocês? O que querem com as minhas filhas?
– Elas não são suas filhas – continuou o sujeito com agressividade. – Não mais.
Tamanho foi o susto que Roberval afrouxou a mão e tapou a boca, esforçando-se para compreender as palavras sem sentido daquele estranho.
– Não são…? – balbuciou. – Mas como? Acabaram de nascer. Minha Severina e eu…
Calou-se de repente e olhou para Severina, que acalmara a agonia e os fitava perplexa.
– Deixe de ser estúpido, homem! – berrou o moço de repente. – Não acha que eu ia me deitar com a sua mulherzinha molambenta, acha?
Roberval não respondeu. Não entendia nada, muito menos o que aquele homem dizia. De seu canto, Severina chorava em silêncio.
– Vamos embora daqui – exigiu a mulher, agora balançando a menina, que começava a chorar, despertando a outra, que chorava também.
O homem começou a se afastar, mas Roberval o segurou novamente.
– Ah! Isso é que não! Ninguém sai daqui com as minhas filhas. Ninguém!
– Você é surdo? – falou a mulher, demonstrando certo receio. – Não o ouviu dizer que elas não são mais suas filhas?
– Isso é um disparate! Pois se Severina acabou de dar à luz agora mesmo…
Buscou o apoio de Severina, que chorava de dor e arrependimento.
– Perdoe-me, Roberval – rumorejou ela. – Eu não devia… Mas não sabia o que estava fazendo…
– Fazendo o quê? O que você fez, mulher?
Severina não conseguia falar. O ventre doía imensamente, e o coração estava estraçalhado. Como dizer a Roberval que dera as meninas a Leocádia, em troca do dinheiro de gente rica da capital? E como fazer agora para mostrar o seu arrependimento e contar a Leocádia que, vendo a indignação e o desespero de Roberval, e ouvindo o choro inocente de suas filhas, mudara de ideia?
– Oh! Meu Deus, o que foi que eu fiz? – lamentou-se ela. – Perdão, Dona Leocádia, perdão! Mas não posso. Não posso me desfazer assim dos meus rebentos.
– Não pode?! – rosnou Leocádia. – Nada disso, menina. Você tem um trato comigo. Vai receber o seu dinheiro conforme o combinado.
– Mas que dinheiro? – berrou Roberval inflamado. – Que história é essa de dinheiro? E desde quando Severina pode pôr preço nas meninas?
– Ela pôs – prosseguiu Leocádia. – E trato é trato. Não pode voltar atrás agora.
– Isso é que não! – exaltou-se Roberval. – Ninguém tira as minhas filhas daqui.
– Eu desisto do trato – contrapôs Severina, entre soluços e gemidos. – Pode ficar com o dinheiro, Dona Leocádia. Não quero mais.
– Nada disso! – objetou a parteira, indignada. – Gastei muito com você, Severina. Ou pensa que aqueles mimos todos saíram de graça?
– Eu devolvo tudo. Vou arranjar trabalho…
– Viajamos de muito longe só para buscar esses bebês – cortou a mulher, com irritação. – Não sairemos daqui sem eles.
– Isso é que não! – grunhiu Roberval irado, agarrando outra vez o homem pelo paletó e tentando tirar-lhe a criança do colo.
– Pare, Roberval! – gritou Leocádia –, vai machucar sua filha.
– Larguem as meninas! – vociferava ele enlouquecido. – Devolvam minhas filhas!
Como não conseguisse resultado com o homem, Roberval o soltou e partiu para cima da mulher, tentando arrancar-lhe a outra menina dos braços. Ela não afrouxou, e a gritaria foi geral. Severina berrava de sua cama, dizendo-se arrependida e implorando que o casal lhes devolvesse as filhas. Leocádia corria de um lado a outro, tentando amparar as meninas, no caso de caírem, e Roberval puxava o bebê ora da mulher, ora do homem, seguindo-se uma balbúrdia e um choro infernais.
– Eu vou chamar a polícia! – berrou Roberval por fim, disparando em direção à porta.
Nem teve tempo de cruzar o portal. Um estampido seco ecoou pelo quarto, e uma bala veloz o atingiu por trás, na altura do pulmão. Roberval estacou a meio, levou a mão às costas, tentando alcançar o foco da queimação, quando novo estampido se ouviu, e outra bala o atravessou impiedosamente, fazendo-o tombar de borco, a boca escancarada e os olhos abertos para a morte.
– Não! – berrou Severina do leito, tentando se levantar. – Não! Roberval, não!
O homem virou para ela o revólver, mas Leocádia o segurou pelo cano, evitando olhar a outra sangueira que empapava a camisa de Roberval.
– Não precisa. Ela não vai sobreviver.
Ele a fitou em dúvida, mas a mulher fez um sinal afirmativo com a cabeça, e ele guardou a arma.
– Vamos embora daqui – ordenou assustada.
Saíram apressados, com Leocádia atrás deles. Protegendo os bebês da chuva, entraram num carro e sumiram na estrada lamacenta, ao mesmo tempo em que Severina, sentindo o sangue entalado na garganta, tossiu várias vezes e vomitou, virando o corpo para o lado e despencando da cama de palha. Silenciou.
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