Quando alguma coisa se vai, é porque não precisamos mais dela, e uma outra melhor irá aparecer.
As trocas de energias falam mais do que as palavras no trato entre as pessoas, criando os laços de simpatia ou rejeição. Interferem também nesse processo nossas afinidades, os valores psicológicos e culturais, os preconceitos, os interesses.
No dia-a-dia, você seleciona as amizades e pode controlar bem as diferenças, mas o que dizer das relações familiares, quando a Vida coloca em seu caminho pessoas com as quais vai ter de relacionar-se por toda a vida?
O que fazer quando você ama um filho e rejeita outro, mergulhando na culpa sem encontrar explicações para seus sentimentos?
A causa vai além da simples troca de energias do cotidiano e está oculta em problemas mal resolvidos de outras vidas que voltam em busca de solução.
Por mais que tente, não conseguirá afastar essa pessoa de seu convívio. Ela estará por perto até a solução. Ou, se preferir: até que a vida os separe.
Lançado em 2003
Ordem de lançamento: 4º
371 páginas
Que tal experimentar o começo do livro?
Capítulo 1
Tudo estava pronto para a grande cerimônia daquela noite. Após muitos anos de dedicação e sacrifício, Paulo ia, finalmente, ser reconhecido pelo seu trabalho. Seu pai, Hermínio, resolvera se aposentar e passara a presidência da empresa ao filho, e encomendara uma bonita festa para comemorar a ocasião.
Hermínio, desde cedo, se dedicara ao ramo dos transportes. Começou fazendo pequenas viagens com um caminhão alugado e, aos poucos, foi progredindo, até que pôde comprar seu próprio caminhão. Com o tempo e muita economia, foi juntando dinheiro e adquirindo outros veículos, até que conseguiu uma frota invejável, transportando cargas por todo o país. Os negócios prosperaram rapidamente, e Hermínio e a esposa, Dulce, viram sua vida mudar e logo passaram a fazer parte da alta sociedade carioca.
Quando os filhos nasceram, sua felicidade foi completa. Paulo, o mais velho, logo se interessou pelos negócios do pai e formou-se em administração de empresas, estando apto a seguir-lhe os passos. A filha, Mariana, cedo casou-se com Marcos, um dos diretores, e não tinha filhos.
Paulo estava feliz. Seu pai enriquecera por mérito próprio e pudera proporcionar-lhes todo o conforto que o dinheiro podia comprar. E tudo com honestidade, sem precisar lograr nem roubar ninguém. Há muito Paulo se preparara para ocupar o lugar do pai e hoje estava prestes a realizar seu maior sonho, tornando-se presidente da empresa.
Estava em frente ao espelho ajeitando a gravata quando viu a mulher entrar no quarto. Flávia usava um bonito vestido cor de cereja, que contrastava com sua tez morena clara e seus profundos olhos negros.Ela olhou para o marido pelo espelho e sorriu, instintivamente apalpando a barriga. Fazia três meses que estava grávida, e aquela gravidez era-lhe motivo de grande alegria. Desde que se casara, fazia quase cinco anos, não conseguira ainda engravidar uma única vez. Por isso, sentia-se realizada com a proximidade da maternidade.
Flávia ia passando em direção ao guarda-roupas para apanhar o casaco, mas parou subitamente e deu meia-volta, indo em direção à porta do quarto.– Aonde vai? – indagou Paulo contrariado. – Já está quase na hora. Não quero me atrasar.
Ela deu uma meia parada da soleira da porta e respondeu displicente:
– Não se preocupe, querido. Vou apenas ao banheiro. Senti uma cólica… Acho que estou com dor de barriga.
– Mas logo agora? Que azar!
Flávia não respondeu e entrou no banheiro, fechando a porta atrás de si. De repente, sentiu uma pontada no ventre e fez uma careta de dor, apertando a barriga e dobrando o corpo para a frente. No mesmo instante, sentiu que algo quente escorria por suas pernas e olhou para baixo. Sobre o ladrilho branco do banheiro, o sangue começava a se espalhar. Apavorada, Flávia soltou um grito, chamando pelo marido:
– Paulo! Socorro, Paulo, acuda!
Ouvindo os gritos desesperados da mulher, Paulo largou o que estava fazendo e correu em direção ao banheiro. Empurrou a porta e entrou, bem a tempo de segurá-la, antes que caísse no chão, pois desfalecera naquele exato instante. Rapidamente, Paulo ergueu-a no colo e levou-a para a cama, ajeitando-a sobre os travesseiros. Apanhou o telefone e ligou para o doutor Feliciano.
– O doutor Feliciano não está – respondeu uma voz do outro lado da linha.
Paulo agradeceu e desligou o telefone. Feliciano, na certa, já havia ido para a festa. Aturdido, apanhou a chave do carro e chamou a governanta, que apareceu logo em seguida, suando e esbaforida.
– Chamou, doutor Paulo?
– Olívia, pelo amor de Deus, ajude-me aqui. Dona Flávia não se sente bem…
Ao ver o estado de sua patroa, Olívia soltou um grito assustado. Ela estava deitada, pálida, o vermelho do vestido se misturando ao vermelho de seu sangue.
– Doutor! – exclamou atônita. – O que aconteceu?
– Não sei, Olívia, e não é hora de perguntas. Ajude-me a levá-la até o automóvel.
Em silêncio, Olívia ajudou o patrão a levantar a mulher e conduzi-la até o carro. Paulo entrou apressado, sem dizer nada, deu partida no motor e saiu em disparada, cantando os pneus. Estava apavorado. Ia perder a cerimônia, mas temia muito mais a perda da esposa amada.
Com os solavancos, Flávia despertou, sentindo muitas dores no ventre.
– Paulo… – balbuciou angustiada. – O que houve? O bebê…
– Não fale, querida. Não há de ser nada.
– Aonde está me levando?
– Ao hospital.
– Hospital? Não quero. Quero o meu médico.
– Feliciano não estava em casa. Não tive outro remédio senão trazê-la para o hospital – vendo o ar de apreensão da esposa, tentou tranquilizá-la: – Sossegue, meu bem. Vai dar tudo certo.
Flávia não disse nada. Esperou até que chegassem ao hospital e fosse atendida. Depois que a mulher foi levada para dentro da sala de emergência, Paulo saiu em busca de um telefone. Precisava avisar alguém. Ligou para o clube onde a solenidade se realizaria e pediu para falar com seu pai. Demorou um pouco até que ele atendesse.
– Alô? Paulo, é você? O que está acontecendo, meu filho? Onde está? Estamos todos preocupados…
– Sossegue, papai. Vou me atrasar, talvez até nem possa ir.
– Não pode vir? Por quê? Onde está?
– Estou no hospital, pai.
– Hospital? O que aconteceu? – silêncio. – Foi a Flávia? Ela perdeu o bebê?
Tentando conter as lágrimas, Paulo retrucou:
– Não sabemos ainda…
Desligou. Não podia mais continuar. Do outro lado da linha, Hermínio, preocupado, continuava falando com o aparelho mudo:
– Alô? Paulo, meu filho, responda! Em que hospital está? Alô? Alô?
Depois de colocar o fone no gancho, Paulo olhou com tristeza para a atendente no balcão, que lhe havia cedido o telefone, e balbuciou:
– Obrigado…
Desabou num banco de madeira encostado na parede do corredor, chorando copiosamente. Tantas esperanças depositadas naquele filho! A família inteira já comemorava sua chegada. Haviam comprado móveis, pintado o quarto de amarelo, preparado um enxoval lindo e rico. E para quê? Para nada.
Quando Flávia anunciou que estava grávida, depois de quase cinco anos de casamento, ninguém sequer cogitou que aquilo pudesse acontecer. Finalmente, o herdeiro que tanto esperava iria nascer. Paulo preferia um menino, para continuar seu nome e os negócios, mas uma menina também seria bem-vinda. Ainda que Flávia não pudesse ter outros filhos, menino ou menina, seriam ambos bem recebidos em sua casa e em seu coração.
Paulo estava tão absorto nesses pensamentos que nem ouviu a enfermeira se aproximar. Ela parou diante dele, tocou levemente o seu ombro e indagou:
– O senhor é o marido de dona Flávia?
Paulo ergueu os olhos para ela, como que tentando entender o que estava acontecendo. Finalmente respondeu:
– Sim, sou eu. Como ela está?
– Sua mulher passa bem, senhor. Infelizmente, porém, lamento informá-lo de que perdeu o bebê.
Ele fechou os olhos por uns segundos, remoendo toda a sua dor, até que reuniu forças para falar:
– Posso vê-la?
A enfermeira balançou a cabeça e indicou uma porta no fim do corredor, dizendo com voz compreensiva:
– Por aqui.
Paulo seguiu-a em silêncio até o quarto onde a esposa estava adormecida, pálida feito um boneco de cera. Vendo-a tão frágil, tão insegura, sentiu um aperto no coração e uma vontade louca de estreitá-la em seus braços. Amava-a profundamente, e o seu sofrimento era-lhe motivo de grande pesar. Ele sabia o quanto de expectativas Flávia havia depositado naquele filho, mas tudo havia sido em vão.
Vagarosamente, Paulo se aproximou de sua cama e ficou a olhá-la. Não queria acordá-la, achava que era melhor deixá-la dormir. Ia se afastando para não perturbá-la quando ouviu a sua voz:
– Paulo…
Ele se voltou com lágrimas nos olhos e a encarou. Flávia, no mesmo instante, pôs-se a chorar, balbuciando:
– Perdoe-me, querido… Foi minha culpa… Não devia ter feito tanto esforço, não devia!
– Chi! Acalme-se, meu amor. Não foi nada. Teremos outros filhos, você vai ver.
– Não, não! Sinto que não terei outra chance.
– Não fale assim. Você não pode saber. É jovem ainda, tem apenas vinte e três anos.
– Mas eu sei! Eu sinto!
Nesse instante, a porta se abriu e um homem todo vestido de branco entrou, e Paulo deduziu que devia ser o médico. Já era um senhor e se aproximou da cama com ar bondoso, pegando no pulso de Flávia.
– Como se sente?
– Bem… mais ou menos…
– Era seu primeiro filho?
– Sim…
– Não se deixe impressionar pelo que aconteceu. Há mulheres que perdem a primeira gravidez, mas depois engravidam e têm muitos filhos.
Flávia não disse nada. Pensou em responder, mas achou melhor ficar calada. Ele era apenas um médico de emergência e nunca mais voltaria a vê-la. O que sabia de sua vida?
– Doutor, quando poderei levá-la? – quis saber Paulo.
– Creio que amanhã pela manhã, se tudo correr bem.
– Isso é que não! – contestou Flávia. – Vou-me embora agora mesmo.
– Mas a senhora não deve… – protestou o médico. – Perdeu muito sangue. É melhor que fique em observação.
– O doutor tem razão, querida – interrompeu Paulo. – É melhor que fique e descanse.
– Mas Paulo, e a sua festa? Não quero estragar sua festa. Essa noite deveria ser sua.
– Não se preocupe com isso. Papai entenderá…
– Não! – cortou ela rispidamente e olhou para o médico, encabulada.
Percebendo que o casal tinha assuntos íntimos a tratar, o médico pediu licença e se retirou.
– Bem, tenho alguns pacientes para ver. Se precisar de alguma coisa, aperte a campainha e uma enfermeira virá atendê-la. Boa noite.
– Boa noite – responderam em uníssono.
Depois que ele saiu e fechou a porta, Flávia apertou a mão de Paulo e, olhando-o fundo nos olhos, declarou:
– Por favor, Paulo, prometa-me que não vai contar nada ainda.
– Mas Flávia, por quê? Todos terão que ficar sabendo um dia.
– Eu sei. Mas não agora. Dê-me um tempo até eu me acostumar. Depois, eu mesma lhes darei a notícia.
– Não sei, Flávia. Talvez seja pior.
– Por favor, Paulo, é só o que lhe peço. Não diga nada. Principalmente a minha mãe. Você sabe o quanto ela queria esse neto.
Paulo olhou-a em dúvida e considerou:
– Mas Flávia, já disse a meu pai que você estava no hospital.
– Ah! não, Paulo… Disse a ele que perdi o bebê?
– Não disse nada. Disse que não sabia ainda.
Um sorriso de esperança iluminou o seu rosto.
– Então não conte. Por favor, Paulo, eu lhe suplico. Não tenho forças para encará-los agora.
– Mas Flávia, o que lhes direi?
– Diga apenas que eu passei mal, mas que já está tudo bem.
– Para que isso, Flávia? Vão ficar sabendo, mais cedo ou mais tarde.
– Que seja mais tarde.
Embora a contragosto, Paulo fez como ela lhe pediu. A muito custo ela conseguiu convencê-lo a deixá-la no hospital durante a noite e ir para o clube, sem dizer nada. Quando Paulo chegou, já passava das dez horas, e muitos dos convidados já haviam ido embora. Hermínio tencionava passar a suas mãos uma placa simbólica, representando a transferência da presidência, mas apenas fez um breve discurso, desculpando-se com os presentes pela ausência do filho. Dissera apenas que a nora passara mal e ele tivera que levá-la a um hospital.
Quando Paulo chegou, Feliciano foi o primeiro que o viu e correu ao seu encontro, exclamando assustado:
– Paulo! Graças a Deus! Morríamos de preocupação. Como está Flávia?
– Ela está bem agora.
– Por que não mandou me chamar?
– Eu liguei para sua casa, mas você não estava.
– Paulo, meu filho! – era Dulce, que chegava apressada. – O que foi que houve? Onde está Flávia?
Em breve, Paulo se viu cercado de parentes e amigos, todos querendo saber o que havia acontecido. Em poucas palavras, Paulo lhes dissera que Flávia sentira um ligeiro mal-estar e tivera que ser socorrida às pressas, mas já estava bem, em casa, descansando. O médico do hospital, apesar de liberá-la, aconselhara-a a guardar o leito, sob pena de pôr em risco a vida do bebê.
– Irei vê-la imediatamente – falou Feliciano decidido.
Paulo segurou-o pelo braço e gaguejou:
– Não… não será preciso… Ela está bem… Pediu para não ser perturbada.
– Ora essa, Paulo – indignou-se Dulce. – Onde já se viu uma coisa dessas? Feliciano é seu médico!
– Eu sei, mamãe, mas ela pediu para avisar a todos que já está bem e que gostaria de descansar. Amanhã, iremos ao seu consultório.
Feliciano deu de ombros e acrescentou:
– Vocês é que sabem.
– Mas eu irei vê-la – disse Inês, mãe de Flávia. – Onde já se viu uma filha recusar a companhia da mãe?
– Dona Inês, entenda. Flávia só está descansando. Fique sossegada que, amanhã, irei pessoalmente buscá-la em sua casa.
A muito custo conseguiu convencê-la. Paulo permaneceu no clube por mais duas horas. O jantar já havia sido servido, e ele foi com o pai assinar os papéis que o legitimavam como o novo presidente da companhia. Via Láctea Transportes S/A, era o nome da empresa. Uma sociedade anônima bem constituída, com ações em alta no mercado, sendo que sessenta por cento continuavam em poder da família Lopes Mandarino. Sua família.
No dia seguinte, Flávia saiu bem cedo do hospital, em companhia de Paulo. Iam silenciosos, remoendo sua frustração, tentando acreditar nas palavras do médico: ela era jovem, poderia ter outros filhos.
Quando chegaram à casa, era muito cedo e Olívia ainda dormia. Mais meia hora e estaria de pé. Paulo seguiu com Flávia para o quarto e acomodou-a na cama, deitando-se a seu lado e adormecendo logo em seguida. Estava exausto e não dormira a noite inteira.
Por volta das oito horas, acordou e olhou para o relógio. Já era tarde, mas não se sentia com disposição para levantar. Ficou deitado na cama, ouvindo a respiração suave da mulher, que dormia placidamente, até que escutou batidas leves na porta. Ele suspirou, levantou-se e foi atender. Era Olívia, que vinha saber de seus patrões. Quando fora se deitar, já era tarde e eles ainda não haviam voltado.
– Graças ao Pai que chegaram! – exclamou Olívia, as mãos postas em sinal de oração. – Rezei tanto a Deus por dona Flávia!
– Obrigado, Olívia.
– Como está a patroa?
– Bem. Está dormindo.
– E o bebê?
– O bebê está ótimo.
– Bendito seja! – acrescentou, erguendo as mãos para o céu. – Chegaram agora?
– Ontem à noite. Você estava dormindo e não quisemos acordá-la.
Olívia balançou a cabeça e indagou solícita:
– Quer que lhe traga o desjejum?
– Obrigado, Olívia. Apenas uma xícara de café.
Depois que ela saiu, Paulo apanhou o telefone na mesinha-de-cabeceira e pediu uma ligação para o consultório de Feliciano.
– Alô? Feliciano?
– Paulo? Como vai, meu amigo? E Flávia?
– Está bem. Já passou.
– Vai trazê-la aqui hoje?
– Creio que não será necessário. Ela já está melhor e não sente nada. Como disse, foi apenas uma indisposição.
– Não acha melhor que eu a examine? Para sua segurança e do bebê.
– Agradeço a preocupação, Feliciano, mas ela não está disposta a sair. Está um pouco cansada.
– Se quiser, posso passar em sua casa mais tarde.
Ouvindo a voz do marido, Flávia despertou, esfregou os olhos e recostou-se na cama, lançando para ele um olhar súplice.
– Está bem, Feliciano. Agradeço.
Paulo desligou o telefone e olhou para Flávia, que perguntou:
– Era Feliciano? – ele assentiu. – O que disse a ele?
– Nada. Mas quer vê-la.
– Não consentirei!
– Flávia, deixe de loucura. Logo todos ficarão sabendo. E pensa que poderá esconder isso justo de Feliciano? Seu médico?
– Por isso mesmo não quero vê-lo.
– Mas ele virá aqui mais tarde.
– Arranje um jeito de dispensá-lo.
– Não posso fazer isso. Deixe que venha, que a examine.
– Ficou louco?
– Flávia, por favor…
– Já disse que não – ela fez uma pausa e considerou: – Está bem. Vou deixar que me examine… superficialmente. Nada de exame ginecológico.
Paulo inspirou profundamente e não disse nada. Olívia chegou com a bandeja e colocou-a sobre a mesa, feliz por ver a patroa já acordada.
– E então, dona Flávia, sente-se bem?
– Muito bem, Olívia, obrigada.
– Se precisar de alguma coisa é só chamar. Estarei na cozinha.
– Obrigada, Olívia.
Mais tarde, quando Feliciano chegou, Flávia disfarçou a fraqueza e o cansaço, empoou o rosto e mostrou-se alegre e bem disposta, fazendo de tudo para que ele não percebesse que havia perdido o bebê. Deixou que ele medisse sua pressão e a temperatura, mas quando ele quis examinar-lhe o ventre, Flávia deu um salto da cama e correu para o banheiro. Trancou a porta e fez que estava vomitando. Em seguida, voltou para o quarto com a mão sobre a barriga e enxugando a boca, dizendo num gracejo:
– Coisas de mulher grávida…
Feliciano ainda tentou fazer com que ela retornasse ao exame, mas Flávia disfarçou e foi para a cozinha.
– Você se preocupa demais – disse com ironia. – Coisas de médico…
Paulo não ousava sustentar-lhe o olhar, e Feliciano deu de ombros. Seguiu Paulo até a sala, onde Olívia lhes serviu um café, conversou durante mais alguns minutos e se foi. Logo que ele saiu, Flávia correu de volta ao quarto e se atirou na cama, chorando sem parar.
Por mais que tentasse, Paulo não conseguia animá-la. Os dias foram passando e Flávia foi se sentindo cada vez mais triste. Não saía, não se alimentava direito, não falava com ninguém. Só com a mãe. Apesar de tudo, não tivera coragem de contar-lhe a verdade, e Inês não conseguia entender o porquê de todo aquele abatimento.
Até que um dia, não aguentando mais, Paulo teve uma ideia.– Flávia, estive pensando. Acho que seria bom fazermos uma viagem.
– Viagem? Agora? Mas, e a empresa? Você acabou de assumir a presidência. Não pode se afastar.
– Já falei com papai. Há anos não tiro férias. Disse-lhe que ando muito cansado e que preciso de descanso.
– Mas… mas… e a presidência da companhia?
– Marcos pode assumir o meu lugar e tomar conta de tudo até que eu volte. Sabe o quanto confio nele.
– E ele concordou?
– Sim. É meu cunhado, pessoa de inteira confiança.
– E seu pai?
– No princípio relutou. Mas acabou concordando também.
– Uma viagem… talvez seja uma boa idéia. Afastar-me de tudo e de todos.
– Foi o que pensei. E depois, você poderá escrever, contando que perdeu o bebê na viagem. Creio que assim será menos penoso.
– Acha que me faria bem? – ele fez que sim. – E para onde iremos?
– Pensei em visitarmos a Europa.
– Europa? Não sei, não. Andam falando em guerra por lá.
– Não acredito nisso. São apenas boatos. Por favor, Flávia, vamos. Não agüento mais vê-la nessa depressão.
Flávia considerou a hipótese por alguns minutos. Embora não se sentisse com ânimo para nada, uma viagem até que serviria bem aos seus propósitos. Escreveria uma carta para a família logo que partissem, contando da perda do bebê, e não precisaria estar presente para ver a sua cara de frustração. Ao voltar, muito tempo já teria passado, e não lhe cobrariam mais nada.
– Está certo – disse por fim. – Faremos a viagem. Quanto mais tempo ficarmos fora, melhor.
– Excelente, querida! Vou agora mesmo providenciar os passaportes e as passagens. Quero visitar tudo!
– Quanto tempo ficaremos fora?
– Não sei. Dois meses, três… O tempo que julgarmos necessário.
Quinze dias depois, partiram rumo à Europa. Iniciaram sua viagem por Londres. De lá, atravessariam o canal da Mancha e iriam para a França, onde tomariam o trem e seguiriam rumo à Espanha e Portugal, retornando novamente em direção à Itália e Suíça. E, dependendo da situação, visitariam ainda a Áustria, a Alemanha e a Holanda, e então retornariam. Seria uma viagem maravilhosa. E inesquecível também.