Há algum tempo, eu costumava ser uma pessoa bem carnívora, embora achasse que não devíamos comer os animais. Sempre achei que eles tinham direito à vida, como qualquer um de nós. Ainda mais, sendo espiritualista, meu conhecimento sobre a alma dos animais me deixava com um certo sentimento de culpa, no entanto, por mais que pensasse assim, não conseguia deixar de comer, adorava um bom churrasco. Até que, um dia, algo aconteceu…
Foi numa viagem que fiz com meu filho a Conservatória, em julho de 2007. O lugar é lindo e fomos visitar um hotel-fazenda. Muito legal, até que me deparei com uma porquinha presa num cercado. Ela era imensa de gorda, presa, em pé, entre grades que não lhe permitiam ir para a frente nem para trás, nem se sentar ou deitar. Durante algum tempo, permaneci parada, olhando para ela, meio em choque. Em meu íntimo, sabia o que aquilo significava: ela estava sendo engordada para morrer. O único significado de sua vida era a morte.
Acho que ela também sabia disso, porque pareceu que era o que tentava me dizer. Por uns instantes, nossos olhares se cruzaram. Pode parecer estranho ou birutice, mas, naquele olhar, ela me disse alguma coisa. Havia tristeza nele e, ao mesmo tempo, resignação, como se ela compreendesse a inevitabilidade do que estava para acontecer. Mesmo assim, ela quis me transmitir a sua dor, uma dor que eu captei com uma pontada no coração. Meus olhos se encheram de lágrimas, fiquei olhando para ela durante um bom tempo, pensando na injustiça e na crueldade de tudo aquilo. Não me pareceu correto criar um ser vivo para conduzi-lo à morte. Achei cruel, injusto, covarde.
Como tive vontade de soltar aquela porquinha! Infelizmente, não podia. A fazenda não me pertencia, e não sou o tipo de pessoa que desrespeita a lei, já que, em meu trabalho, tenho por função, justamente, defender a lei. Por mais que ache que os animais têm direito à vida, assim como nós, entendo que, aos olhos do direito, eles são coisas móveis, semoventes. São propriedade de alguém, e ferir o direito de propriedade era algo que eu não podia fazer. Certo ou não, sou uma pessoa que respeita as leis, ainda que elas não me agradem, me façam sofrer ou me causem indignação, porque sou, eu mesma, uma pessoa da lei.
Então, na situação em que eu estava, não me restava alternativa senão lamentar o que ia acontecer. Do outro lado, meu filho, na ingenuidade de seus oito anos, brincava com alguns porquinhos, postos num cercado para divertimento dos visitantes. Todos filhotinhos, gritavam e corriam, com as crianças atrás. Meu filho não sabia, e nem aqueles filhotinhos, que, num futuro bem próximo, teriam a vida ceifada para servir de alimento a alguém. Olhando para eles, chorei.
Daquele dia em diante, nunca mais consegui pôr um pedaço de carne na boca. Alguns anos depois, deixei também de comer frango, sensibilizada com o destino das pequenas aves. Hoje, só como peixe e, assim mesmo, de vez em quando. Acabei me acostumando à soja, e é o que supre minha necessidade de proteína.
Não estou aqui para julgar quem come carne. Não é isso que mede o caráter de uma pessoa. Há muitas pessoas que comem carne e são boas, enquanto há vegetarianos radicais e fanáticos, que querem, a todo custo, impor a sua verdade.
Já dizia Jesus Cristo que o mal não está no que entra, mas no que sai pela boca do homem. Não adianta nada não comer carne e maltratar os outros, falar mal da vida alheia, mentir, enganar e coisas do gênero. O que conta no caráter de uma pessoa é o tamanho da sua dignidade.
Este é apenas um relato do que aconteceu comigo. Não recrimino quem come carne, não julgo, não discrimino, tampouco tento convencer ninguém a deixar de comer. Quem dera que o maior mal do mundo fosse esse. Não haveria ninguém matando nem roubando, nem fazendo guerras.
Na verdade, não falo nada, porque cada um sabe o que é melhor para si. Eu apenas fiz uma escolha e respeito as escolhas do próximo. E minha escolha não foi nenhum tipo de imposição nem esforço. Deixei de comer carne não porque me obriguei a isso, mas, simplesmente, porque não consigo mais.
E não tenho vergonha de dizer que foi por amor aos animais.